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Relato de Karla Luiz Schirmer Advogada e Procuradora do Estado do RS

Outubro chegava ao fim e eu, em campanha pelo Outubro Rosa e pelo Novembro Azul, dei-me conta de que ainda não havia realizado o autoexame. Antes do banho, à noite, fiz o que todas as mulheres devem fazer: comecei apalpando a mama direita e, já ao primeiro toque, identifiquei algo que antes não estava ali. Um caroço, bem superficial, no quadrante superior externo. Entrei no chuveiro e lá, embaixo d’água, onde sempre me sinto bem, coloquei a mão na mama direita e, novamente, ao primeiro toque, identifiquei aquele caroço de azeitona. 

Bem, nada de pânico! Consegui marcar consulta médica. Depois, mamografia e ecografia mamárias. Logo vieram as biópsias e a confirmação do câncer de mama. Surgiram muitas questões sobre como envolver a família e os amigos amorosos nesse problema. Mas, antes, havia de descobrir o que esse diagnóstico significava na minha vida, ou na minha morte. 

Comecei definindo, após refletir algumas noites, que não estava com medo da doença, porque não sentia medo de morrer. Mas a dor… Essa não era uma amiga… Com certeza, não! Assim, tinha medo de sofrer, mas não havia espaço para ser covarde. Não é como sou. Passados os dias, comecei a estranhar que não só não tinha medo, mas também não sentia raiva ou revolta. Por que cargas d’água não estava chorando ou gritando? Só entendi muito mais tarde. 

Certo é que nunca achei que deveria me envergonhar de ter câncer. Jamais sussurrei a palavra ou usei um sinônimo fofo. Desde logo eu disse, com tranquilidade, que estava com câncer. Só me impressionei, de verdade, quando soube que ia perder as sobrancelhas e os cílios. Ficar careca já estava no esquema. Ficar sem sobrancelhas era algo que se encontrava em outro patamar. Mas, como dizia a minha mãe quando era lúcida: "o que não tem remédio, remediado está". 

O caroço cresceu e virou uma azeitona recheada. Foi retirado quando já tinha um filhote (azeitonas não têm filhotes, eu sei, mas o tumor teve!). Vieram a quimioterapia e a radioterapia, calvície, enjoo, dores e outros que tais. Somente em plena pandemia, com a quarentena imposta, quando chegaram as notícias das mortes de Ciro Pessoa, Kelly Preston, Chica Xavier e Chadwick Boseman, todos tendo “lutado contra um câncer” ou “perdido a batalha contra o câncer”, percebi que nunca travei uma batalha contra o câncer. Daí o título dessa conversa. 

O câncer estava em mim, nasceu de mim. Então incentivei cada pedacinho meu a fazer o seu melhor, a receber bem os medicamentos e tirar deles o melhor proveito. Fui positiva! Na minha fé, sabia que o resultado estava nas mãos de Deus, o que não me isentava de fazer a minha parte. E, assim, vivi cada dia desse processo da melhor maneira que pude – cuidando sempre para ter um ambiente familiar saudável e alegre. Como se faz isso? Como se conta para o marido e para os filhos? Como se vive a quimioterapia em plena pandemia? Bem, esses são temas para outras conversas.


Autor: A autora
Fonte: Andressa Dorneles

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