Imprimir
 

Apesar de controlar os sintomas, especialistas pediram cautela e mais estudos

A vontade de viver desaparece, o choro vem fácil, o silêncio vira aliado e o isolamento se torna essencial. Sobreviver a uma depressão é um gigantesco desafio. Este pode ser vencido com terapias e medicamentos, mas, em casos mais graves, o tratamento convencional pode não ser suficiente. A solução, no entanto, pode estar em uma pequena estrutura do nosso cérebro. Um time de neurocirurgiões do Hospital da Universidade de Heildelberg e de psiquiatras do Instituto Central de Saúde Mental em Mannheim, na Alemanha, conseguiu tratar com cirurgia, pela primeira vez, uma paciente que sofria de uma depressão grave, ao estimular as habênulas, que ficam na parte mais profunda do encéfalo.

O procedimento pioneiro foi feito em uma mulher alemã de 64 anos, que sofria de depressão desde os 18. Durante 46 anos, ela não teve sucesso em tratamentos com remédios ou mesmo com a controversa terapia do eletrochoque. A paciente foi operada em 4 de julho de 2008 e, desde então, está livre dos sintomas da doença. “A operação é a mesma usada para tratar distúrbios do movimento, como o mal de Parkison. É chamada de estimulação profunda do cérebro, feita com a técnica de estereotaxia cerebral”, explicou ao Correio Karl Kiening, chefe da neurocirurgia do hospital alemão, que comandou a operação.

Dois eletrodos foram implantados no cérebro da paciente, ligados por um fio que passa por baixo da pele e conectados a um gerador de impulsos eletrônicos colocado na altura do peito. Como estudos científicos mostram que a habênula fica hiperativa durante a depressão, a ideia foi inibir essa movimentação na estrutura por meio de uma vibração intensa na região. “Nós decidimos estimular a habênula, na região do epitálamo, porque ela está envolvida no controle de três grandes sistemas neurotransmissores, conhecidos por estarem alterados quando a pessoa tem depressão”, afirma o psiquiatra Alexander Sartorius, do Instituto Central de Saúde Mental, que conseguiu apontar a área como fator determinante para a doença, em um estudo publicado no jornal científico Biological Psychiatry.

Alterações químicas no cérebro podem causar depressão. Os fatores psicológicos e sociais, muitas vezes, são consequência e não causa, como se costuma pensar. Há evidências científicas de que a doença está relacionada à serotonina, à noradrenalina e à dopamina, substâncias que transmitem impulsos nervosos entre as células. As três, segundo Sartorius, recebem informações da habênula e, quando algum problema acontece com essa interação, aparece a doença. “A comunicação dos neurônios e esse mapeamento do circuito são muito importantes. A região ligada a um quadro depressivo é a pré-frontal. A função das habênulas até hoje é pouco conhecida e parece que tem o poder de controlar o nosso sono e a vigília. É um estudo muito novo”, comenta Geraldo Possendoro, psiquiatra e professor de atualização profissional em medicina comportamental da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Outros testes com estimulação já foram feitos em pacientes deprimidos, mas o foco estava em outras áreas do cérebro, a frontal e a mediana, mais conhecidas pelos pesquisadores.

Riscos

A cirurgia para inserir eletrodos no cérebro é arriscada e exige muita precisão e planejamento, segundo os médicos da Universidade de Heildelberg. As habênulas estão localizadas no centro do cérebro, na parede conhecida como terceiro ventrículo, em uma área que é quase a metade das usadas para os procedimentos feitos para os distúrbios do movimento. “Para colocar os dois eletrodos nessa região é mesmo difícil, mas com os instrumentos da estereotaxia comprovamos que é possível fazer isso. O procedimento pode ajudar muitas pessoas que sofrem desse mal”, sustenta Kiening.

Os cientistas responsáveis pelo estudo acreditam que o método pode ser eficaz para pessoas que não respondem bem a nenhum tipo de tratamento. Os resultados, inclusive as falhas, foram comemorados pelos médicos. “A paciente não tem mais qualquer sintoma de depressão. Fazemos avaliações constantes desde o dia da cirurgia e, nesse tempo todo, ela teve duas recaídas. A primeira ocorreu porque o marcador de vibrações desligou sozinho e não percebemos durante três dias e, em outro episódio, a bateria do aparelho tinha acabado”, conta o neurocirurgião.

Depois que os problemas foram resolvidos, os sintomas desapareceram em dias. O próximo passo é testar a técnica em outros pacientes com depressão grave. “Vamos fazer um novo estudo com 20 pacientes. Se os resultados forem tão bons quanto foram com a primeira paciente, poderemos considerar essa cirurgia um grande avanço para a medicina”, completa Kiening.

Para Geraldo Possendoro, o procedimento é polêmico e deve ser visto com cautela. “Tenho 20 anos de profissão, atendi milhares de pessoas e os medicamentos sempre foram eficazes. Acredito que fazer uma interferência desse tipo no cérebro seja um pouco radical e traga muitos riscos para o paciente”, avalia o professor da Unifesp.

Com o desenvolvimento de novos medicamentos e a evolução da eletroconvulsoterapia, Possendoro acredita que os casos de depressão grave que não conseguem ser tratados são raros, e por isso não existiria justificativa para qualquer tipo de estimulação profunda. “É um resultado que deve ser considerado, mas muitos outros estudos precisam ser feitos, em centenas de pacientes, para comprovar a necessidade de uma neurocirurgia, que pode ter até um risco de lesão cerebral”, diz. “Mesmo assim, na minha avaliação pessoal, os remédios, com a psicoterapia, são a melhor opção, porque não são técnicas invasivas. Pode ser também que possam surgir drogas que evitem a necessidade de procedimentos nessa região do epitálamo”.


Autor: Tatiana Sabadini
Fonte: Correio Braziliense

Imprimir